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historias de viagem

Memórias de um Sonho na Estrada –
Parte 01

Em 2017 eu e o David demos uma palestra aqui em Gold Coast chamada Memórias de um Sonho na Estrada. Nesse encontro nós compartilhamos algumas histórias de viagens, pessoas que conhecemos e lições que aprendemos pelo caminho.

Outro dia revirando minhas coisas aqui, encontrei algumas fotos e anotações dessa palestra e todas aquelas memórias passaram na minha cabeça como um filme. Alguns trechos já contei pra vocês aleatóriamente aqui e ali, mas agora senti vontade de compartilhar algumas dessas passagens em ordem cronológica, como uma histórinha, nos posts aqui do blog. Espero que gostem :)

Histórias de Viagem: Tudo começou em 2011

Eu e o David estávamos andando no Shopping Estação em Curitiba, quando passamos em frente uma agencia de viagens. Pegamos um daqueles folhetos cheios de possibilidades de destinos e começamos a sonhar acordados. Brincando, conversamos sobre como seria viajar para Buenos Aires. Nos imaginamos falando espanhol, andando pelas ruas e provando comidas diferentes. Na época ainda não sabíamos disso, mas hoje eu consigo ver essa cena como a primeira vez que plantamos uma semente de pedido no terreno fértil do universo.

O que começou como uma brincadeira, no decorrer das semanas foi ficando sério e nós começamos a realmente pensar na possibilidade de viajar. Começamos a calcular os gastos e pesquisar tudo sobre como fazer um mochilão pela América do Sul. A decisão estava tomada: iríamos passar 12 dias fora. Conversando com um amigo, ele sugeriu que aproveitássemos pra além da Argentina, conhecer também o Uruguay. Assim decidimos fazer as 2 capitais, Montevideo e Bueno Aires, e Colonia Del Sacramento, uma cidade linda que fica entre o Uruguay e a Argentina. E assim eu descobri um hobbie que eu nem sabia que tinha: fazer planejamento de viagem. Pesquisar lugares pra ir, montar um itinerário no Excel, calcular orçamento… enquanto isso o David pesquisava modelos de mochila e nossos fins de semana se resumiam a planilhas e visitar lojas de aventura: eu ainda nem tinha saído do país e já estava amando essa vibe viajante. Alguns meses chegou o dia tão esperado e nos vimos no Aeroporto Afonso Pena com uma mochila nas costas, prontos para o que seriam os 12 dias que mudariam a nossa vida…mas vou chegar lá.

Essa foi a primeira viagem internacional da nossa vida, e a primeira vez que eu viajei sem os meus pais. Não estou bem certa se eles estavam muito felizes em me ver viajar sozinha com o meu namorado, mas às vezes você apenas tem algo dentro de você te chamando para a aventura, e não tem como ignorar essa voz do seu coração.

Pegamos nosso vôo e chegamos em Montevideo no fim da tarde. Na época eu não entendia naaaada de espanhol e confesso que eu estava um pouco nervosa nas primeiras horas no aeroporto. Era muita coisa nova acontecendo. Fomos trocar dinheiro na casa de câmbio e comprar um cartão telefônico pra ligar pro Jeff, o pai de um amigo do David que morava em Montevideo e queria nos encontrar durante a nossa estadia. Em um papelzinho, eu tinha anotado o endereço do nosso hostel e depois de 3 tentativas de falar com os seguranças do aeroporto pra descobrir que ônibus tínhamos que pegar, finalmente eu entendi as instruções do moço e assim fomos para o ponto de ônibus. Pegamos o ônibus e chegamos no hostel e pra fazer o checkin.

Abri minha bolsa pra pegar minha identidade, e cadê? Cadê minha identidade???? Procurei em tudo quanto é lugar, em todos os compartimentos inúteis da minha mochila, e aquele frio na barriga surgindo, aquelas lágrimas já aparecendo nos meus olhos e um único pensamento: eu estraguei tudo. Eu tinha perdido minha identidade em menos de 4 horas fora do país!

Foi um auê. Pelo menos o moço do hostel deixou a gente fazer o check-in mesmo sem documento e subimos para o nosso quarto. Já estávamos nos planejando para ir ao consulado no dia seguinte. A noite mal começou e já tinha acabado, estava aquele clima péssimo. Quando de repente, o cara da recepção veio bater na nossa porta. Ele gritava feliz, fazendo gestos e balançando um telefone na mão, e eu não entendi nada. Aí o David traduziu: era o pessoal da casa de câmbio do aeroporto, que ligou dizendo que eu tinha esquecido minha identidade lá.

Nunca senti um alívio tão grande. Os anjos protetores dos mochileiros estavam com a gente e essa foi a minha primeira lição pra ficar mais atenta. Iríamos buscar minha identidade no dia seguinte e estava tudo resolvido. Toda essa emoção foi o marco do inicio da nossa aventura em um país novo.

Ficar em um hostel traz uma experiência totalmente diferente de um hotel. Usar cozinha e banheiro compartilhados te faz aprender que o espaço é de todos e que ele deve ser mantido limpo e organizado. Coisas que hoje parecem tão óbvias pra mim como lavar a sua própria louça depois de comer foram lições que aprendi durante essa viagem. Aqui na Austrália eu já ouvi histórias de pessoas que só comiam fora todos os dias pra não precisar lavar a louça. Outra história, que me chocou mais ainda, foi a de uma menina que veio para passar 3 meses e trouxe uma peça de roupa para cada dia pra não ter que lavar roupa, e voltou para o Brasil com a mala cheia de roupas sujas para a mãe lavar! Eu acredito que quando a gente faz esse tipo de viagem nós crescemos muito como pessoas e nos faz olhar o mundo além do nosso umbigo, se preocupar com o outro e aprender a se virar caminhando com nossas próprias pernas.

Mas voltando à nossa viagem. Foi na cozinha do hostel que fizemos as primeiras amizades gringas. Conhecemos o Daniel, o arquiteto mexicano, o Benjamin da Suiça e umas meninas alemãs que estavam viajando com a Cruz Vermelha. Conhecer pessoas de diferentes backgrounds também nos fez expandir ainda mais nossos horizontes.

Os 12 dias que se passaram durante a viagem foram incríveis. A cada dia uma nova descoberta, uma comida nova que experimentamos, uma palavra nova que aprendemos. Estávamos apaixonados pela experiência de viajar. Mas como tudo tem um fim, chegou o dia de pegar o nosso vôo de volta para o Brasil. Nessa viagem aconteceram muitas coisas, mas o foco aqui não vão ser essas histórias. Pra quem tiver curiosidade, todos os diários de bordo dessa viagem estão aqui e aqui.  O que eu quero compartilhar sobre essa viagem é que ela me fez entrar em um caminho sem volta, uma toca do coelho por onde eu nunca mais poderia voltar. Já vou chegar lá…

Chegando no aeroporto de Montevideo eu comecei a chorar. Eu tava morrendo de vergonha por estar chorando e tentando me segurar a todo custo. Eu não tava entendendo o porquê daquela angustia e me senti uma criança por estar chorando porque tinha que voltar pra casa. Hoje eu sei que aquele choro foi o começo da minha crise existencial, onde eu sabia que eu havia aberto uma caixa de pandora e que meu mundo nunca mais seria o mesmo. A Karen que saiu do Brasil há 12 dias atrás não existia mais. Eu já era uma nova pessoa que não se encaixava mais naquela vida de antes.

Chegando de volta no Brasil comecei a questionar tudo o que eu estava fazendo. A única coisa que eu queria era poder viajar de novo. Se eu passei apenas 12 dias fora, em um país vizinho do meu, e já aprendi tantas coisas novas, o que mais aguardava por mim no resto do mundo? Uma ansiedade enorme tomou conta de mim quando percebi que ficar parada no Brasil não iria mais me acrescentar muita coisa. Senti uma urgência de viajar de novo, de conhecer ainda mais gente, de provar comidas ainda mais diferentes, de aprender novos idiomas. O mundo ainda tinha muito a me oferecer.

Comecei a pensar em como eu poderia viajar pelo mundo. Logo, eu trouxe na minha mente as únicas referências que eu tinha de viagem até então: viajar é caro, é preciso trabalho muitos anos pra guardar dinheiro pra viajar, dar uma volta ao mundo é algo que você faz depois de se aposentar. Na época eu tinha apenas 20 anos. Como é que eu iria esperar até os 60 pra poder dar uma volta ao mundo, quando me aposentasse? Eu não queria passar por todo o roteirinho pré-estabelecido pela sociedade: me formar na faculdade, conseguir um bom emprego, crescer na carreira, casar, ter filhos, continuar trabalhando até a aposentadoria, pra só então poder fazer o que eu bem entendesse. Não que isso seja errado, eu sei que muita gente sonha em viver todas essas coisas. Mas não era isso que eu queria pra mim. Pelo menos não nessa ordem. Eu queria viajar agora, não daqui 40 anos.

Mas naquela época eu ainda não tinha muito poder de escolha. Eu ainda morava com os meus pais e tinha recém começado a faculdade de arquitetura. Ao mesmo tempo que eu queria viver os meus sonhos e começar a viajar, eu também queria atender as expectativas de “ser alguém na vida”. Mas esse conflito gritava dentro de mim e eu precisava conversar com alguém. Um dia cheguei na faculdade e na hora do intervalo, comecei a soltar essa ideia com meus amigos. Falei pra eles que eu não estava mais vendo sentido na vida. Falei que a viagem tinha aberto os meus horizontes e agora eu queria experimentar mais disso. Que pra mim, não fazia sentido ter que terminar a faculdade, quem sabe abrir meu escritório de arquitetura, casar, ter filhos e esperar as crianças saírem de casa pra eu poder finalmente fazer o que eu queria e ir viajar. Por que eu tinha que passar por tudo isso ou invés de simplesmente ir viajar agora?

Eu lembro que estávamos em uma rodinha de 5 amigos. Enquanto eu falava, eles me olhavam desconfiados, como se eu fosse uma alienígena falando coisas sem sentido. Seus olhos diziam “Como assim você não quer ter seu próprio escritório?” “Como assim você não quer casar e ter filhos?”. Não é que eu não quisesse nada dessas coisas, mas eu não queria ter que passar por tudo isso antes de poder viajar. Mas nesse grupo de amigos uma das meninas, a Gabi, me ouvia atentamente. Enquanto eu falava, ela balançava a cabeça concordando e eu podia ver no rosto dela que ela estava virando uma chavinha no cérebro dela também.

Quando eu terminei meu desabafo ela apenas disse “isso que você esta falando faz todo o sentido”. Ali foi a primeira vez que eu percebi que menos de 5% das pessoas concordavam comigo. E isso mostrava um reflexo da sociedade, onde a maioria esta condicionado a seguir esse roteiro sem questionar. E apenas uma minoria queria fazer diferente, queria criar suas próprias regras, queria nadar contra a maré em pró de um sonho. Eu estava dentro dessa minoria, o que me mostrava que essa jornada não seria fácil…

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