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A incrível cidade perdida dos Incas

Para chegar a Machu Picchu existem duas formas: uma delas é pegar um trem em Ollantaytambo que leva 4 horas até chegar lá. A outra é a forma aventureira. A trilha inca é o caminho que os próprios incas faziam e são 4 dias de caminhada até chegar em Machu Picchu. É claro que escolhemos a forma aventureira!

1º dia
16 de agosto. Acordamos às 3:30 da manhã, dia que começaríamos a trilha e também aniversário do David. Eu estava mal humorada porque não conseguíamos prender nossos sacos de dormir nas mochilas e eu estava preocupada como iríamos carregar isso durante 4 dias inteiros. Minha mochila não era a ideal para fazer trilha, mas era o que eu tinha: uma mochila que comprei a 10 anos atrás, quando era escoteira. O David me ajudou a arrumar as minhas coisas e a me acalmar, dizendo que tudo ficaria bem.

Logo um dos nossos guias veio nos buscar no hostel e descemos algumas quadras para pegar o nosso ônibus com o restante do grupo. Chegando em Ollantaytambo, compramos alguns snacks para comer durante a trilha e tomamos nosso café da manhã com o primeiro visual de tirar o fôlego do dia: o sol nascendo entre as montanhas. Aquela vista foi o suficiente para o meu humor melhorar.

O ônibus nos levou até o Km 82, onde começaríamos a nossa caminhada. Nos apresentamos ao restante do grupo. Estávamos em 10 pessoas, além dos 3 guias e os carregadores que levavam a nossa comida e equipamento para acampar. Estávamos prestes a atravessar a ponte que marcava o início da nossa aventura!

A paisagem era bastante árida. Muita areia, pedras e pouca vegetação. Ao nosso lado direito, víamos o rio que nos acompanharia por boa parte do percurso. O caminho começou com uma subida e logo vi que não seria nada fácil. Em poucos minutos comecei a sentir falta de ar. O clima seco ressecava meu nariz e a altitude não me ajudava a respirar. Mas eu estava muito empolgada e isso me deu forças no início.

Fizemos a primeira parada para descansar e o David passou a carregar muitas das coisas que estavam comigo, deixando a minha mochila mais leve e facilitando as coisas para mim. A cada parada para recuperar o fôlego, os guias diziam para eu ir com calma e encontrar o meu ritmo. Bem, quando eu decidi ir no meu ritmo, o grupo continuou e logo estavam muito distante. Eu sempre era a última a chegar nos pontos de encontro. Eu e o David, porque ele sempre me esperava.

A paisagem que nos acompanhou durante todo o percurso era a mais bela que já tinha visto em toda a minha vida. Montanhas altíssimas, picos nevados, e entre elas haviam vales perdidos que guardavam vestígios de que os incas passaram por ali. Andamos por sítios arqueológicos que nos fez voltar no tempo e imaginar como seria viver nesse lugar protegido pela grandeza das montanhas.

No final do dia, chegamos ao primeiro acampamento 1 hora depois do restante do grupo. Passamos um tempo conversando com nossos novos amigos e isso foi uma das coisas que mais gostei durante a trilha: conhecer gente nova, de diferentes lugares do mundo. No nosso grupo haviam pessoas da Austrália, Canadá, Estados Unidos e Suiça. Pessoas que tinham vidas completamente diferentes umas das outras e que estavam ali com o único propósito de estar perto da natureza e conhecer a cidade perdida dos incas.

2º dia
Acordamos às 5:30. O dia seria longo e o mais difícil de todo o percurso. O nosso objetivo era subir 4.200m. Estávamos exaustos e doloridos do dia anterior. A noite havia sido péssima porque ficamos em uma barraca com zíper estragado, então entrava vento gelado durante a noite toda. E ainda teríamos um longo dia pela frente, então decidimos que para aproveitar melhor, teríamos que pagar um carregador para levar nossas mochilas.

Quando ouvimos relatos de outros mochileiros falando sobre pagar alguém para levar suas coisas, achamos uma enorme besteira. “Imagine que frescura pagar alguém para levar nossa mochila, somos aventureiros e vamos carregar nossas próprias coisas.”, era o que pensávamos. Mas só estando lá para saber da dificuldade que é fazer essa trilha. E qualquer peso extra, por menor que seja, é um grande fardo para carregar pelo caminho.

Começamos a subida rumo ao pico mais alto. Minhas pernas estavam me matando. Mesmo sem o peso da mochila, o corpo já estava dolorido. Subir cada degrau, que tinha entre 30 e 40cm de altura, era um grande desafio. Eu não conseguia mais olhar ao meu redor, apenas olhava para o chão, para toda aquelas pedras e areia.

A falta de ar começou a me dar enjôo, e eu comecei a me perguntar por que estava fazendo aquilo. Por que tinha que estar ali sofrendo e qual era o sentido de tudo isso? Então olhava para o lado, e lá estava a minha resposta. Olhar para todas aquelas montanhas era a minha recompensa. É um lugar muito especial e a única forma de ter acesso a ele é através dessa trilha. Mesmo assim, isso foi a coisa mais difícil que já fiz na vida. Várias vezes o choro estava na garganta, mas sabia que se chorasse sentiria mais falta de ar.

Por todo o caminho o David me deu muito apoio. Se não fosse por ele sempre falando que eu estava indo bem e que logo chegaríamos ao topo, acho que teria desistido. Eu sabia que o topo estava muito longe, mas as palavras dele me davam força. Mesmo assim, uma hora comecei a chorar. Parecia que aquilo nunca ia acabar, eu tinha a nítida certeza de que não seria capaz de chegar até o fim. O mínimo esforço de abrir meu cantil de água parecia ser uma tarefa de proporções homéricas e eu pensava duas vezes antes de fazê-lo. Com muita dificuldade, fui a última a chegar ao topo. A vista lá de cima é realmente incrível e recompensadora, mas eu ainda estava muito atordoada com a subida e não consegui aproveitar como gostaria.

Ficamos poucos minutos no topo e começamos a descida, que foi fácil e não pedia muito esforço. O que eu não sabia é que mais tarde deixaria meus joelhos tão doloridos. Chegamos ao acampamento onde almoçaríamos.

No quesito alimentação, não tenho absolutamente nada a reclamar. Tínhamos café da manhã, almoço, chá da tarde e jantar. Sempre com sopa de entrada, prato principal e às vezes sobremesa. Para finalizar, sempre um chá quente. Também éramos recebidos nos acampamentos com suco para recuperar o fôlego depois de longas caminhadas. Os pratos eram sempre diferentes uns dos outros e ganhávamos lanche para comer durante o dia.

Acordávamos com um simpático homenzinho oferecendo chá de coca e em frente a nossa barraca estava uma bacia com água quente para lavarmos o rosto. Tudo era preparado pelos carregadores, que eram muito atenciosos e estavam sempre sorrindo. Eram eles que levavam a comida e o material de acampamento durante todo o percurso. Eram homens magrinhos e pequeninos, de todas as idades, que carregavam mochilas 3 vezes o seu tamanho. Subiam correndo aquelas montanhas para preparar o nosso acampamento antes de chegarmos. Nesse mesmo dia, durante o chá da tarde, o cozinheiro preparou um bolo de aniversário para o David. Foi uma bela surpresa, ficamos muito felizes por eles terem sido tão atenciosos.

3º dia
 Esse foi o dia mais tranqüilo da trilha. Acordamos às 7:30 e o caminho foi muito fácil, com muitas descidas e poucas subidas. Conhecemos mais alguns sítios arqueológicos e às 16h chegamos ao acampamento em que passaríamos a noite. Pudemos almoçar e tirar uma soneca em nossa barraca para recuperar nossa energia. Eu já estava encantada com tudo o que tinha visto até então, as paisagens incríveis e os sítios arqueológicos tão bem preservados. Mal podia esperar para conhecer Machu Picchu.

Nesse dia, durante o chá da tarde, aconteceu uma situação estranha. Nosso guia veio conversar com o grupo e dizer que à noite iríamos nos despedir dos nossos carregadores. Também disse que era uma tradição dar uma gorjeta para eles durante a despedida. Até ai tudo bem, porque eles fizeram um trabalho duro e que merecia ser valorizado (apesar de já termos pagado 100 soles por pessoa para carregarem as mochilas).

Então alguém perguntou qual era o valor da gorjeta que geralmente era dado, e o guia disse na lata: mais 100 soles por pessoa (Aproximadamente R$90,00). O grupo achou justo, mas eu e o David achamos um valor absurdo. Além de que uma gorjeta é um valor que se da o quanto pode, e não um valor estipulado por alguém. Achamos que foi uma maneira muito baixa de arrancar dinheiro a torto e a direito de quem vai fazer a trilha, principalmente dos gringos.

Eu e o David ficamos muito chateados e fomos para a nossa barraca conversar. Que situação chata nós estávamos! Não tínhamos como dar todo esse valor, porque ainda tínhamos 20 dias de viagem pela frente e nosso dinheiro estava contadinho. Porém, se não pagássemos, o grupo acharia que éramos mão de vaca e que não estávamos valorizando o trabalho dos carregadores, uma vez que todo o resto do grupo achou o valor estipulado super aceitável.

Bom, não tínhamos opção, cortar custos do resto da nossa viagem apenas para ficar bem com o grupo estava fora de cogitação. Resolvemos abrir o jogo com o pessoal. Dissemos que podíamos pagar 25 soles cada um. Explicamos nossa situação e todos ficaram em absoluto silencio. Sabíamos que mesmo sem falar nada, estavam nos condenando. Nos sentimos muito mal, queríamos sumir dali. Eu mal podia esperar o jantar acabar para voltar correndo para nossa barraca. Eu sentia como se não fizéssemos mais parte do grupo.

4º dia
No último dia teríamos que acordar às 4h, mas acordamos às 3:30 para ter certeza de que não iríamos nos atrasar. Nesse dia eu teria que reunir todas as minhas forças para acompanhar o grupo e entrarmos juntos em Machu Picchu. Se ficássemos para trás como de costume, o grupo com certeza não iria nos esperar. Arrumamos as nossas coisas e começamos a caminhada ainda de madrugada. Não levamos lanterna, então nossa única iluminação era a lanterna dos outros e do nosso pequeno chaveiro de porquinho, que iluminava o focinho quando apertava a barriga dele. Imagina a nossa situação!

Chegamos no portão de entrada de Machu Picchu e tivemos que esperar por uma hora até a hora de abrir, às 5:30. Sentamos no chão e ficamos observando as estrelas. Esse é um momento que eu nunca vou me esquecer, estávamos vendo um céu mais estrelado do que estávamos acostumados em casa. Haviam estrelas novas e o céu era mais iluminado. São momentos como esse que fizeram valer cada segundo de esforço durante todos os dias de trilha.

Os portões abriram. Continuamos a caminhar por mais meia hora. Estava dando o melhor de mim para me manter com o grupo e não foi fácil. Ainda sentia muita falta de ar, mas não podia parar.

Chegamos a uma escadaria de pedras bastante íngreme e longa. Tínhamos que subir com os pés e as mãos. Ela parecia não ter fim, quando avistei de longe um portal de pedra. A medida que fui chegando mais perto, fui tendo cada vez mais certeza de que lá de cima avistaria Machu Picchu. Fui tomada por uma ansiedade e euforia que tomou conta do meu corpo todo e me deu impulso para subir cada vez mais rápido. Subia um degrau, e via o portal se aproximando. Subia outro degrau, e mais outro e sabia que nosso objetivo estava logo ali. Até que finalmente cheguei ao topo. Estava no Portal do Sol.

Sabia que mais alguns passos e eu poderia ver Machu Picchu. Tinha essa certeza e por isso fui andando bem devagar, querendo prolongar esse momento o máximo que conseguisse. Lá no topo haviam muitas pessoas tirando fotos do que estava por trás daquelas ruínas e eu, bem lentamente, fui caminhando. Até que o avistei. Estava lá. Bem diante dos meus olhos. Coberto por algumas nuvens, adormecia Machu Picchu, a cidade perdida dos incas.

Fui andando bem devagar, de uma maneira um pouco boba, como quem não quisesse “fazer barulho e acordá-lo”. Passei alguns segundos parada, hipnotizada, admirada, encantada pela grandiosidade que estava diante de mim. Meus olhos estavam cheios de lágrimas e eu estava muito agradecida por estar ali. Esperei muitos anos por esse momento e ele finalmente havia chegado. Eu mal podia acreditar que aquilo era realidade. Em poucos minutos o sol começou a nascer e pudemos presenciar o espetáculo que é a cidade ser, aos poucos, banhada pelos raios de sol.

Continuamos a nossa caminhada por mais uns 20 minutos até chegar à cidade de Machu Picchu. Quando finalmente colocamos nossos pés nela, percebemos a grandiosidade real do lugar. Nenhum sítio arqueológico que havíamos visitado antes poderia ser comparado com aquilo. São muitos terraços, escadas, ruínas, corredores e salas. Começamos a explorar o lugar e conseguimos ficar perdidos lá dentro. Tudo de baixo de um céu azul em um lindo dia ensolarado.

Não há palavras para descrever o que é caminhar por Machu Picchu. O que é imaginar como os incas viviam lá. O que é ver a perfeição de suas construções em uma época em que não existia tecnologia. O lugar transpira uma energia tão forte que nos sentimos pessoas muito sortudas por termos tido a chance de conhecer esse paraíso perdido.

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